Uma rua pelo deserto

Analisamos os impactos das recentes medidas fiscais e comerciais nos Estados Unidos e como elas podem afetar o crescimento no segundo semestre de 2025. Mesmo diante de um cenário desafiador, identificamos fortalezas e oportunidades chaves para investidores.

Da liberação à desescalada

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Mark Haefele
Chief Investment Officer
Global Wealth Management

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O ano passado foi marcado por choques de mercado seguidos por alívios relativamente rápidos: o pânico do mercado de agosto de 2024 desencadeado pelos desdobramentos das operações de carregamento do iene, o lançamento do modelo de IA de baixo custo DeepSeek no fim de janeiro e os anúncios de tarifas do “Dia da Liberação” do Presidente Trump no início de abril.

Em cada caso, os mercados tiveram recuos acentuados seguidos por rápidas recuperações. Essa dinâmica pode ser desconcertante, mas também pode representar uma oportunidade para diversificar e fortalecer as carteiras para o futuro.

Nesta carta, nós analisamos a recente desescalada na guerra comercial, os possíveis desafios fiscais nos EUA, como se posicionar em ações após o recente forte desempenho e como adaptar as carteiras para o ambiente atual.

Em resumo, em nossa hipótese base, acreditamos que a alíquota tarifária efetiva dos EUA se estabeleça em aproximadamente 15%. Se isso se sustentar, seria o equivalente econômico de cerca de um aumento de 2 pontos percentuais nos impostos sobre vendas — um empecilho ao crescimento e um impulso à inflação, mas não uma desaceleração forte o suficiente para levar a economia dos EUA para a recessão.

Ao mesmo tempo, as incertezas permanecem. No comércio, as principais questões envolvem saber se a suspensão de 90 dias nas tarifas “recíprocas” se tornará uma política de longa duração e em que medida a incerteza relacionada às tarifas até o momento impactou o crescimento econômico. Além disso, na política fiscal, a recente volatilidade nos retornos dos títulos em resposta a negociações orçamentárias e o rebaixamento da dívida soberana dos EUA pela Moody’s demonstram os temores do mercado quanto ao déficit fiscal dos EUA.

Política tarifária

Nos últimos dois meses, a administração Trump intensificou e acelerou tanto a imposição quanto a suspensão de tarifas, surpreendendo a maioria dos investidores. Isso resultou em uma volatilidade significativa nos mercados financeiros e levantou dúvidas sobre a ideologia comercial da administração Trump.

Desde que tomou posse, a administração Trump mencionou uma variedade de metas para sua política fiscal, que vão desde o aumento da arrecadação até a promoção de vagas de trabalho na manufatura doméstica, a melhora da autossuficiência e a redução dos déficits comerciais. Em termos mais amplos, Trump falou sobre enfrentar a “injustiça”, com base na ideia de que o sistema comercial atual não funciona para os EUA sob a perspectiva econômica ou de segurança nacional.

Ao mesmo tempo, a volatilidade do mercado demonstrou à administração que: (1) Alcançar todas as metas declaradas de uma só vez pode não ser possível; (2) alguns participantes do mercado acreditam que a abordagem pode piorar os problemas; e (3) usar tarifas como instrumento contundente para promover a transformação econômica de longo prazo tem o potencial de causar transtornos significativos ao país no curto prazo.

Acreditamos que as suspensões nas tarifas e o aumento do apetite por acordos nas últimas semanas mostram que a administração Trump não desistiu de uma política agressiva e baseada em tarifas, mas se tornou mais sensível a riscos de curto prazo.

Tarifas estratégicas

A administração dos EUA, segundo suas declarações, atualmente está preparando o terreno para um aumento mais cirúrgico das tarifas no nível setorial no 3º trimestre, após investigações sobre setores estratégicos como farmacêutico, minerais essenciais, madeira, cobre e semicondutores.

Esses setores estavam inicialmente excluídos da tarifa “básica” de 10% porque, conforme destacado pelo Presidente Trump, a Casa Branca pretende impor tarifas separadas para reduzir a dependência dos EUA de produtores estrangeiros ao incentivar a produção interna.

As tarifas sobre produtos provavelmente serão mais duradouras porque têm foco em setores estratégicos. A seção 232 da Lei de Expansão Comercial de 1962 também fornece uma base jurídica mais robusta para a imposição de tarifas em comparação com a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional porque tem um precedente histórico, é mais direcionada e é baseada em uma investigação do Departamento de Comércio.

Embora o caminho em direção ao fim definitivo das tarifas “recíprocas” possa apresentar obstáculos — e essas tarifas possam até ser restabelecidas para alguns países — acreditamos que os crescentes desafios políticos, empresariais e legais tendem a levar à sua redução ou remoção, ou mesmo à sua eventual declaração de ilegibilidade. Apesar da continuidade da rivalidade entre EUA e China, acreditamos que ambos os lados buscarão manter a taxa efetiva dentro da faixa de 30% a 40% até o fim do ano, dados os possíveis custos econômicos para ambos os lados.

Acreditamos que essa hipótese base seja consistente com a desaceleração do crescimento do PIB real dos EUA para cerca de 1,5% neste ano e, de 2,8% em 2024. Estimamos que o efeito de uma tarifa “básica” de 10%, somada a várias tarifas específicas do setor no topo seja, de forma ampla, o equivalente de um aumento de 2 pontos percentuais em impostos sobre vendas dos EUA, o que não é grande o suficiente para levar a economia para uma recessão.

Em outros lugares, o estímulo das políticas na Europa e China deve compensar parcialmente o efeito negativo de tarifas sobre a atividade econômica. Projetamos o crescimento econômico de 0,7% na zona do euro neste ano e 4,0-4,5% na China.

Negociações orçamentárias

Nas semanas seguintes, os desdobramentos da política fiscal provavelmente permanecerão como um fator importante para os mercados, com a suspensão de 90 dias das tarifas “recíprocas” determinada para expirar em 8 de julho. Contudo, as negociações orçamentárias nos EUA provavelmente também se tornariam um fator cada vez mais relevante, particularmente se os retornos dos títulos públicos, que subiram com a atenuação dos riscos de recessão, permanecerem elevados.

O trabalho para a aprovação da “One, Big, Beautiful Bill” do Presidente Trump está em andamento. O acordo na Câmara combina um aumento nos gastos com defesa e imigração, uma prorrogação permanente das reduções de impostos de 2017, isenções fiscais para horas-extras e para renda proveniente de gorjetas e aposentadoria, incentivos fiscais para investimentos comerciais, cortes nos gastos com o Medicaid e auxílios alimentares, aumentos na capitalização sobre deduções fiscais estaduais e locais (SALT) e um aumento de US$ 4 trilhões no limite da dívida.

De forma geral, o plano adicionaria US$ 3,1 trilhões à dívida dos EUA até 2034, segundo uma análise pelo Committee for a Responsible Federal Budget. Algumas das reduções de impostos da lei estão prestes a expirar em 2028-29 e o impacto sobre o nível da dívida seria ainda maior caso sejam tornadas permanentes. Como as reduções de impostos são de fases iniciais, mas as economias com os cortes nos gastos são de fases finais, os déficits subiriam de já elevados 6,3% do PIB em 2024 para mais de 7% em 2026 e 2027.

Mudanças adicionais

As receitas das tarifas servirão para compensar a alta nos déficits do pacote de reconciliação orçamentária, mas não diminuirão os déficits materialmente quando outras forças os levarem a altas ainda maiores.

Estimamos que uma alíquota efetiva de 15% tenha o potencial para gerar US$ 300 a 450 bilhões adicionais em receitas por ano para a próxima década dependendo do impacto sobre os volumes de importações e a necessidade de auxiliar setores prejudicados pelas retaliações. Isso representa 1,0% a 1,5% do PIB de 2024.

É importante notar que, em termos de receitas, tarifas mais baixas podem gerar mais arrecadação. O Peterson Institute for International Economics estimou que uma tarifa de 10% geraria aproximadamente o dobro da receita obtida com uma tarifa de 20% (que reduziria as importações de forma mais significativa).

Quando o Senado receber a lei após ela sair da Câmara, ela provavelmente passará por outras modificações antes de ser enviada de volta para a Câmara para uma nova aprovação e, finalmente, enviada para o Presidente Trump. Alguns republicanos no Senado manifestaram preocupação de que os cortes nos programas sociais sejam muito amplos, assim como algumas das reduções de impostos adicionais para novas empresas e a renda de pessoas físicas.

Os robustos mercados de capitais dos EUA, o status do dólar como moeda de reserva e o patrimônio significativo das famílias significam que, em nossa visão, a capacidade dos EUA de pagar suas dívidas não está em questão. Contudo, em um momento em que a confiança do investidor nos mercados dos EUA foi afetada, e com as tarifas provavelmente resultando em um impulso de curto prazo na inflação, a perspectiva de um aumento ainda maior na já elevada emissão de títulos do Tesouro para financiar déficits maiores pode não ser bem recebida pelo mercado de renda fixa.

Isto posto, a administração Trump demonstrou preocupação aos retornos dos títulos mais elevados. Além disso, o Federal Reserve está considerando mudanças como a reforma nos regulamentos bancários, de modo que os bancos possam deter títulos do Tesouro sem que isso afete seus índices de capital — o que poderia criar nova demanda por títulos do Tesouro e ajudar a reduzir os retornos.

Um trem no deserto

Mensagens em Foco - Ideias de Investimento

A incerteza comercial e fiscal dos EUA continua elevada e ambas têm o potencial para impulsionar uma nova volatilidade no mercado nas próximas semanas conforme as negociações relativas a tarifas e ao orçamento continuam.

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